segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Aborto: "O embrião é um de nós"


(Revista Pergunte e Responderemos, PR 413/1996)

Em síntese: No mês de agosto pp. foram destruídos na Inglaterra 3.300 embriões, que haviam sido guardados em baixa temperatura, mas, após cinco anos de congelamento, não foram solicitados nem pelos doa­dores das sementes vitais humanas nem por médicos e pesquisadores. O fato chamou a atenção da opinião pública, que não deixou de implorar cle­mência para as criancinhas. – Estudos recentes, entre os quais se distin­gue uma pesquisa realizada na Itália sob a chefia do Dr. Francesco D’Agostino, chegam repetidamente à conclusão de que, logo após a fe­cundação do óvulo pelo espermatozóide, existe um novo ser humano a ponto que dizem os pesquisadores: “O Embrião é um de nós”. Essa mes­ma Comissão orientada pelo Dr. D’Agostino repele, com base na ciência (e não na fé), a manipulação da reprodução humana, principalmente as mais recentes modalidades da mesma: a clonagem e a hibridação “homem-ani­mal-irracional”; tais experiências redundam em degradação da pessoa hu­mana, equiparada à condição do animal irracional (que copula sem amor e sem compromisso), como também acarreta a destruição de numerosos vi­ventes humanos (verdadeiramente humanos, embora do tamanho da ca­beça de um alfinete).

Papa João Paulo II tem-se pronunciado a respeito, apelando para cientistas e juristas, a fim de que levem em conta a dignidade singular da reprodução humana, a qual é fruto de uma doação amorosa e total de duas pessoas portadoras de traços transcendentais.

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No mês de julho pp. a opinião pública mundial foi interpelada pelo caso de milhares de embriões humanos condenados a morrer na Inglater­ra, pois ninguém se interessou por eles.

Podiam parecer cabecinhas de alfinete insignificantes, sem importância e sem valor humano.

- Nas pá­ginas que se seguem, o caso será passado em revista; ao quê acrescen­taremos as conclusões de um estudo feito por cientistas italianos que afir­mam: “O embrião é um de nós”.

1. Os embriões sacrificados na Inglaterra

A fecundação artificial em proveta tem sido praticada com freqüência na Inglaterra por dois motivos:

1) há casais estéreis, que por uma razão qualquer não podem procriar, embora desejem ter um filho; daí o recurso a alguma das modalidades da fecundação artificial; 2) esta também é praticada para produzir criancinhas cujos tecidos e órgãos serão aproveitados no tratamento de adultos carentes de algum enxerto ou transplante.

Todavia, para obter um embrião sadio e aproveitável, são postas em atividade numerosas sementes humanas, das quais podem resultar al­guns embriões – sadios uns, defeituosos outros. Os cientistas interessa­dos aproveitam apenas uns poucos desses embriões e deixam os outros conservados em baixa temperatura, à espera de que alguém os solicite para experimentação médica ou para uma gestação normal. Os embri­ões podem manter-se vivos durante muito tempo; as leis inglesas, po­rém, não permitem que embriões não procurados ou solicitados sejam guardados por mais de cinco anos.

A razão disto é principalmente o ele­vado custo financeiro que o congelamento impõe aos pesquisadores; ali­ás, o custo é sempre mais caro, porque o “estoque” de embriões aumenta de mês para mês.

Os jornais nos deram notícia de que, na quarta-feira 31 de julho, à meia-noite, terminava o prazo para pedidos de clemência em favor de embriões fadados à destruição na Inglaterra. Eis como o jornal O GLOBO, edição de 2/8/96, p. 20, expõe o caso:

“GOVERNO BRITÂNICO IGNORA PROTESTOS E COMEÇA A QUEIMAR EMBRIÕES HUMANOS

Mulheres que tentaram evitar destruição não conseguiram obter respaldo legal · LONDRES.

De nada adiantaram protestos de religiosos e grupos antiaborto. A Grã-Bretanha começou a destruir ontem os 3.300 embriões congelados mantidos em clínicas de reprodução assistida do país. O Governo, que custeia todo o processo, inclusive o armazenamento, resolveu cumprir uma lei de 1991, que prevê a destruição de embriões congelados por mais de cinco anos. Seriam poupados somente aqueles cujos pais pedem a prorrogação do prazo. Os embriões foram descongelados, imersos numa solu­ção de álcool e vinagre e, em seguida, incinerados.

Do tamanho de uma cabeça de alfinete e com apenas quatro células, os embriões, ao menos em teoria, têm condições técnicas de ser conservados por um prazo indeterminado. A manutenção, porém, é cara e o Go­verno diz que não tem como manter por um prazo longo um estoque que aumenta a cada mês.

Falta de autorização de pai anônimo impede preservação.

O prazo para pedidos de clemência a favor dos embriões terminou à meia-noite de quarta-feira. Na última hora, algumas mulheres doadoras de óvulos pediram que seus embriões fossem poupados. Mas o Governo negou o pedido. Pela lei, um embrião só pode ser conservado a pedido de ambos os pais. O que se verificou foi uma grande quantidade de mães solteiras que decidiram gerar filhos de doadores desconhecidos e não sabiam a quem recorrer para conseguir a autorização para preservar os embriões.

A especialista Ruth Deech alertou que a destruição poderá evitar a degeneração do material biológico, que poderia acontecer com o tempo. Mas o especialista em reprodução humana Peter Bromwich rebateu e acu­sou o Governo de incompetência.

- Um embrião conservado em nitrogênio líquido a baixa temperatura dura até dois mil anos, se preciso – afirmou Bromwich.

- Hoje é um dia de vergonha nacional – lamentou John Scarisbick, porta-voz do grupo humanitário Life, a organização que mais atacou a de­cisão do Governo britânico”.

O órgão responsável pela inseminação artificial na Inglaterra, isto é, a Autoridade Britânica de Embriologia e Fertilização Humana, afirmou não ter recebido pronunciamento algum de novecentos casais. Além disto, mais de seiscentos outros casais mudaram de endereço, tornando-se ina­tingíveis. Apesar de tudo, a maioria das trinta e três Clínicas de inseminação artificial na Inglaterra confessou estar relutante em destruir os embriões.

Vários médicos italianos fizeram apelo ao Governo italiano para que dissuadisse a Grã-Bretanha de destruir os milhares de embriões congela­dos. Também uma centena de casais italianos se ofereceram para adotar os embriões, tocando à esposa realizar a gestação normal (a mesma oferta foi feita por 25 mulheres inglesas, duas alemãs e duas norte-americanas) mas as auto­ridades inglesas recusaram a oferta, alegando que só poderiam entregar os embriões aos pais legítimos. O jornal L’OSSERVATORE ROMANO, que exprime o pensamento da Santa Sé, revelou que a implantação de um embrião no útero de uma mulher seria lícita no caso em foco, …caso de emergência, que não poderia ser tomado como padrão para fixar novas normas de moralidade; a liceidade do implante se derivava da necessida­de de evitar a morte de seres humanos inocentes; isto, porém, não legiti­mava o processo de fecundação em proveta que havia dado origem a tais embriões.

Como se sabe, os embriões condenados foram descongelados, imersos numa solução de álcool e vinagre e, em seguida, incinerados juntamente­ com o lixo do hospital. Foram cerca 3.300 vítimas que assim pere­ceram.

É assim, mais uma vez, evidente que os progressos da Genética têm suscitado questões éticas, cuja solução depende, em última análise, de se saber quando começa a vida humana.

“O embrião é um de nós”

O Comitê Nacional de Bioética da Itália publicou recentemente um documento intitulado “Identità e Statuto dell’Embrione Umano” (Identi­dade e Estatuto do Embrião Humano).

Apresentou-o à imprensa o Dr. Francesco D’Agostino, Presidente do mencionado Comitê. A tese conclu­siva desse texto, resultante de estudos protraídos por mais de um ano e meio, soa: “O Embrião é um de nós”, é uma pessoa, é gente. Mais expli­citamente aí se lê: “O Comitê chegou unanimemente a reconhecer o dever moral de tratar o embrião humano, desde a fecundação, segundo os crité­rios de respeito e tutela que se devem adotar em relação aos indivíduos humanos aos quais se atribui comumente a característica de pessoa”.

Em conseqüência, o Comitê proclamou “moralmente ilícitas”:

- a produção de embriões para fins de experimentação médica ou para fins comerciais ou industriais;

- a produção múltipla de seres humanos geneticamente idênticos mediante fissão geminada ou clonagem;

- a criação de “quimeras” ou de indivíduos constituídos de células de origem genética diversa;

- a produção de híbridos “homem-animal-irracional”,

- a transferência de embriões humanos para útero de animal irracio­nal e vice-versa.

Ainda com unanimidade o Comitê classificou “como moralmente líci­tas eventuais intervenções terapêuticas em embriões, desde que destina­das a proteger a vida e a saúde dos mesmos. Reconheceu também como legítima a experimentação em embriões mortos por aborto.

(1) A propósito, eis um comentário do jornal italiano OGGI, edição de 3/8/96, p.14: “Hoje a ciência médica subiu ao Olimpo da vida. Produziu milhares de embriões… Por que motivo? Do casal que recorre à fecundação em proveta, origina-se quase sempre uma dezena de embriões. Na verdade, interessam apenas 20% dessa pro­dução, aproximadamente: Existem setores nos hospitais, mesmo quando pequenos, que conservam milhares de seres humanos. Ninguém tem a coragem de dar um nome a esse procedimento: Neonatologia? Zoologia? Os milhares de vidas humanas – seriam 100.000 na Itália – congeladas em laboratório, sem nome, seriam uma espé­cie de humanidade paralela. Que se há de fazer com tais pessoas? Quem de nós, adultos, estaria disposto a aceitar que o utilizem como cobaia? Por certo, ninguém”.

Alguns membros do Comitê estenderam a iliceidade a:

- a supressão ou manipulação nociva de embriões;

- o diagnóstico anterior ao implante, destinado a suprimir os embri­ões, caso sejam tidos como ineptos para a vida;

- a formação, em proveta, de embriões que não sejam destinados ao implante no útero materno.

Sobre o congelamento de embriões pronunciou-se o Comitê nestes termos:

“O Comitê afirma que o respeito pela vida do embrião deve merecer prioridade sobre outros valores e que, portanto, devem ser definidas normas jurídicas aptas a garantir aos embriões não aproveitados a possibili­dade de vida e desenvolvimento”.

O Dr. Francesco D’Agostino comenta o significado de suas conclu­sões para o foro legislativo da Itália:

“O nosso trabalho tem caráter consultivo, na expectativa de que o Parlamento regulamente a matéria com suas leis. Indicamos princípios normativos,… sugeridos numa perspectiva ética destinada a orientar; toca aos legisladores continuar o trabalho. O importante é que o Parlamento não se perca em questões filosóficas, mas considere algumas linhas de ação concreta, como, por exemplo, a proibição de se produzirem embriões além do necessário. O que espero, é que o problema não seja ulteriormen­te adiado; está suficientemente amadurecido para que os nossos políticos o levem a sério. Além disto, a questão está madura também no plano internacional; faço votos para que a Itália seja reconhecida como pioneira nesta área de pesquisas”.

Acrescentou o Dr. Francesco D’Agostino:

“O Comitê rejeita a experimentação indiscriminada feita em embriões. No fundo, tem-se aqui uma questão de controle público sobre a atividade dos pesquisadores. A sociedade tem o direito de saber o que fazem os cientistas; não podemos continuar a dar carta branca aos cientistas; eles devem tomar se conscientes. dos valores e dos problemas éticos ligados às suas pesquisas”.

Como se vê, o bom senso se pronunciou, lembrando a escala de valores que a ciência sem consciência tem esquecido; o ser humano não é máquina, nem é equiparável a outros viventes deste mundo; tem alma espiritual e, por isto, transcende a matéria e suas técnicas reprodutivas. O ser humano tem um ideal de vida, que ele abraça com inteligência e amor; é da inteligência e do amor do homem e da mulher comprometidos entre si que nasce a prole; esta é a expressão da doação íntima de marido e mulher.

A propósito tem-se manifestado o Papa João Paulo II, do qual vão citadas algumas reflexões sob o título abaixo:

A Palavra de João Paulo II

Aos 24 de maio pp. o Santo Padre dirigiu aos participantes do Simpósio sobre a encíclica Evangelium Vitae (Evangelho da Vida) as seguintes palavras:

“Diante do humanismo ateu, que desconhece ou até mesmo nega a dimensão essencial do ser humano, ligada à sua origem divina e com o seu destino eterno, é tarefa do cristão e, sobretudo, dos Pastores e Teólo­gos, anunciar o Evangelho da vida, segundo o ensinamento do Concílio Vaticano II, que, atingindo com uma frase lapidaria as profundezas do pro­blema, afirmou: Na realidade, o mistério do homem só se esclarece verda­deiramente no mistério do Verbo encarnado (Gaudium et Spes, 22).

Este urgente empenho interpela de maneira singular os juristas cris­tãos, levando-os a fazer com que se manifeste, nos setores da sua com­petência, o caráter intrinsecamente frágil de um Direito fechado à dimen­são transcendente da pessoa. O fundamento mais sólido de todas as leis que tutelam a inviolabilidade, a integridade e a liberdade da pessoa, resi­de, com efeito, no fato de esta ter sido criada à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,27).

A este propósito, um problema que investe diretamente o debate en­tre biólogos, moralistas e juristas é constituído pelos direitos fundamentais da pessoa, que devem ser reconhecidos a todos os sujeitos humanos, durante o inteiro arco da sua vida e, de modo particular, desde o seu surgimento.

O ser humano – como evocou a instrução `Donum vitae’ e como reconfirmou a Encíclica `Evangelium vitae’- `deve ser respeitado e tratado como uma pessoa desde a sua concepção e, por isso, desde esse mesmo momento, devem-lhe ser reconhecidos os direitos da pessoa e, primeiro de todos, o direito inviolável de cada ser inocente à vida’ (Carta Encíclica `Evangelium vitae’, n° 60: AAS 87 [1995], 469; cf. Instrução `Donum vitae’ 1: AAS 80 [1988], 79).

Esta afirmação encontra plena correspondência nos direitos essenci­ais, próprios do indivíduo, reconhecidos e salvaguardados na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 3).

Apesar da distinção entre as ciências envolvidas e, reconhecendo que a atribuição do conceito de pessoa pertence a uma competência fi­losófica, não podemos deixar de reconhecer como ponto de partida o esta­tuto biológico do embrião, que é um indivíduo humano, com a qualidade e a dignidade próprias da pessoa.

O embrião humano tem direitos fundamentais, ou seja, é titular de elementos constitutivos indispensáveis para que a atividade conatural a um ser possa desenvolver-se em conformidade com um princípio vital que lhe é próprio…

Pelo mesmo motivo, considero dever fazer-me novamente intérprete destes direitos inalienáveis do ser humano desde a sua concepção, para todos os embriões que, não raro, são expostos a técnicas de congelamen­to (crio conservação), tornando-se em muitos casos objetos de pura expe­rimentação ou, pior ainda, destinados a uma programada destruição com o consentimento legislativo.

De igual modo, confirmo como gravemente ilícito para a dignidade do ser humano e da sua vocação à vida, o recurso aos métodos da procria­ção que a Instrução “Donum vitae” definiu como inaceitáveis para a doutri­na moral (1)

A iliceidade de tais intervenções no princípio da vida e sobre embri­ões humanos já foi afirmada (cf. Instrução `Donum vitae’, I, 5; II.), mas é necessário que os princípios sobre os quais se fundamenta a própria re­flexão moral sejam reconhecidos também a nível legal

Portanto, faço apelo à consciência dos responsáveis do mundo cien­tífico e, de maneira particular, aos médicos, para que seja posto termo à produção de embriões humanos, tendo em conta o fato de que não se entrevê uma saída moralmente lícita para o destino humano dos milhares de milhares de embriões congelados, que, contudo, são e permanecem sempre titulares dos direitos essenciais e, por conseguinte, devem ser tutelados sob o ponto de vista jurídico como pessoas humanas.

A minha voz dirige-se também a todos os juristas a fim de que se prodigalizem para que os Estados e as Instituições internacionais reco­nheçam juridicamente os direitos naturais a partir da aparição mesma da vida humana e, além disso, se façam defensores dos direitos inalienáveis que os milhares de embriões ‘congelados’ intrinsecamente conquistaram no momento mesmo da fecundação.

Os próprios Governantes não podem subtrair-se a este empenha­mento, para que o valor da democracia, que afunda as suas raízes nos direitos invioláveis reconhecidos a cada indivíduo humano, seja salvaguar­dado desde as suas origens”.

(1) Em Apêndice a este artigo publicamos uma síntese da Instrução Donum Vitae aqui mencionada. (N.d.R.)

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

"Aborto: quando começa um ser humano?"

Olá a todos.


Acho extremamente importante refletirmos mais sobre o assunto referente ao aborto. Trata-se de um assunto que é discutido por muitos como um "direito da mulher", sem ao menos lembrar do direito à vida de um pequeno ser humano indefeso.


Leiamos, pois, mais a respeito deste assunto, para que tenhamos capacidade de persuadir nossos irmãos contra este atentado à vida humana:


Uma ótima leitura à todos!


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(Revista Pergunte e Responderemos, PR 305/1987)

Em síntese: O Prof. Jérôme Lejeune, geneticista francês, consultado pelo Senado norte-americano a respeito do ponto inicial da existência do indivíduo humano, elaborou um relatório cujo texto vai abaixo transcrito em Tradução portuguesa. Declara que, desde o momento da fecundação do óvulo pelo espermatozóide, há toda a informação genética necessária e sufi­ciente para formar um indivíduo novo. Basta deixar que se desenvolva nas condições exigidas pela natureza para que se percebam todos os sinais caracte­rísticos do ser humano; em conseqüência, não se pode, cientificamente fa­lando, duvidar de que logo após a concepção existe uma pessoa em forma­ção.

* * *


Logo no início do primeiro mandato do Presidente Ronald Reagan, instaurou-se nos Estados Unidos da América ardente polêmica a respeito do aborto: estava comprovado que naquele país uma criança sobre três era eli­minada antes de nascer. O Senado norte-americano, impressionado pela pro­blemática, pôs-se a considerá-la com seriedade. E, a fim de tomar posição, procurou informações dos cientistas a respeito do momento em que o con­cepto pode ser considerado autêntico indivíduo humano, pois tal questão é decisiva para se definirem os direitos da criança. Em vista de uma resposta, foi consultado, entre outros, o Prof. Jérôme Lejeune, francês; os títulos e méritos deste mestre e a sua posição se acham expostos no texto que trans­crevemos a seguir e que corresponde ao relatório apresentado à Comissão Senatorial encarregada do inquérito, aos 2 de abril de 1981. O próprio au­tor deu a seu trabalho o título de


TESTEMUNHO


“Meu nome é Jérôme Lejeune. Doutor em Medicina e Doutor em Ciências, sou responsável pela Clínica e pelo Laboratório de Genética do Hospital de Pediatria destinado aos pacientes feridos por debilidade mental.

Após ter pesquisado em tempo integral durante dez anos, tornei-me Profes­sor de Genética Fundamental na Universidade René Descartes.

Há cerca de 23 anos descrevi a primeira doença cromossômica em nos­sa espécie devida ao cromossomo 21 extra-numerário, típico do mongolis­mo. Em conseqüência, tive a honra de receber o Prêmio Kennedy das mãos do falecido Presidente e a William Allen Memorial Medal da Sociedade Americana de Genética Humana. Sou membro da American Academy of Arts and Sciences.

Com meus colegas do Instituto de Genética de Paris, nos dedicamos à descrição das etapas fundamentais da hereditariedade humana. Pelo estudo comparativo de numerosas espécies de mamíferos, inclusive os símios antro­póides, estudamos as variações cromossômicas registradas no decorrer da evolução. Na espécie humana, analisamos mais precisamente os efeitos des­favoráveis de certas aberrações cromossômicas:

Nestes anos demonstramos pela primeira vez que uma doença cromos­sômica pode ser combatida por um tratamento adequado. . . Mostramos que um tratamento químico pode curar a lesão cromossômica em culturas de tecidos. Mais: uma dosagem apropriada de produtos químicos (monocarbo­natos e suas moléculas vetoras) melhora simultaneamente o comportamento e as atividades mentais das crianças afetadas. Assim a pesquisa meticulosa realizada sobre certos mecanismos da vida pode levar a uma proteção direta de vidas humanas em perigo.

Quando começa um ser humano?

Desejo trazer a esta questão a resposta mais exata que a ciência pode atualmente fornecer.

A biologia moderna ensina que os ancestrais são unidos aos seus descendentes por um liame material contínuo, pois é da fertilização da célula feminina (o óvulo) pela célula masculina (o espermatozóide) que emerge um novo indivíduo da espécie humana. A vida tem uma longa história, mas cada indivíduo tem o seu início muito preciso, o momento de sua conceição.

O liame material é o filamento molecular do ADN. Em cada célula re­produtora, essa fita, de um metro de comprimento aproximadamente, é cortada em segmentos (23) na nossa espécie). Cada segmento é cuidadosa­mente enrolado e empacotado (como uma fita magnética em minicassete, tanto que no microscópio aparece como um bastonete: um cromossomo.

Desde que os 23 cromossomos do pai se juntam aos 23 cromossomos da mãe, está coletada toda a informação genética necessária e suficiente para exprimir todas as características inatas do novo indivíduo. Isto se dá à seme­lhança de uma minicassete introduzida num gravador; sabe-se que produz uma sinfonia. Assim também o novo ser começa a se exprimir logo que foi concebido.

As ciências da natureza e as ciências jurídicas falam a mesma lingua­gem. A respeito de um indivíduo que goza de boa saúde, o biólogo diz que tem boa constituição; a respeito de uma sociedade que se desenvolve harmo­niosamente para o bem de todos os seus membros, o legislador afirma que ela tem uma Constituição equilibrada.

Um legislador não consegue entender uma lei particular antes que to­dos os seus termos tenham sido clara e plenamente definidos. Mas, quando toda essa informação lhe é oferecida e a lei foi votada, ele pode ajudar a de­finir os termos da Constituição.

Como trabalha a natureza?

Trabalha de modo análogo. Os cromossomos são as tábuas da lei da vi­da; quando eles são reunidos no novo indivíduo (a votação da lei é figura da fecundação do óvulo pelo esperma, eles descrevem inteiramente a Consti­tuição dessa nova pessoa.

É surpreendente a miniaturização da escrita. É difícil crer, embora este­ja acima de qualquer dúvida, que toda a informação genética, necessária e suficiente para construir nosso corpo e até nosso cérebro (o mais poderoso engenho para resolver problemas, capaz até de analisar as leis do universo, possa ser resumida a tal ponto que seu substrato material possa subsistir na ponta de uma agulha!

Mais impressionante ainda é a complexa soma da informação genética por ocasião do amadurecimento das células reprodutoras, a tal ponto que cada concepto recebe uma combinação inteiramente original, que nunca se produziu antes e que não se reproduzirá tal qual no futuro. Cada concepto é único e, portanto, insubstituível. Os gêmeos idênticos e os hermafroditas verdadeiros são exceções à regra: cada ser humano é uma combinação gené­tica. E notemos que as exceções devem ocorrer no momento da conceição. Acidentes posteriores não levam a um desenvolvimento harmonioso.

Todos estes fatos são conhecidos há muito tempo; todos os cientistas já outrora estariam de acordo em dizer que, se existissem bebês de proveta, eles evidenciariam a autonomia do concepto; a proveta não possuiria ne­nhum título de propriedade sobre eles. Ora os bebês de proveta já existem.

Experiências recentes

Quantas células são necessárias para a construção de um indivíduo? – A resposta nos é dada por experiências recentes.

Se conceptos precoces de camundongos são tratados com enzimas, as suas células se desagregam. Se, porém, misturarmos tais suspensões celulares provenientes de embriões diferentes, veremos que as células voltam a se reu­nir. O número máximo de células que operam para a elaboração de um indi­víduo, é três.

O ovo fecundado normalmente divide-se em duas células; uma delas se divide imediatamente de novo. Assim se forma o número ímpar e surpreen­dente de três células, encapsuladas em seu invólucro protetor.

Segundo os nossos mais adiantados conhecimentos, a individuação (ou a formação de três células fundamentais) é a primeira etapa após a concep­ção, à qual se segue dentro de poucos minutos.

Tudo isto explica por que os doutores Edwards e Steptoe puderam ser testemunhas de fecundação, em proveta, de um óvulo da Sra. Brown por um espermatozóide do Sr. Brown. O minúsculo concepto que eles implantaram alguns dias mais tarde no útero da Sra. Brown, não podia ser nem um tumor, nem um animal. Era, na verdade, a extremamente jovem Luísa Brown, que tem hoje a idade de três anos.

A viabilidade do concepto é extraordinária. Por experiência, sabemos que um concepto de camundongo pode ser congelado ao frio intenso (até de – 269 graus) e, depois de reaquecimento delicado, ser implantado com êxi­to. Para que haja o ulterior crescimento, requer-se necessariamente a acolhi­da numa mucosa uterina que forneça a alimentação apropriada à placenta embrionária. No interior da sua cápsula vital, que é a bolsa amniótica, o no­vo indivíduo é tão viável quanto um astronauta dentro do seu escafandro sobre a Lua: o abastecimento de fluidos vitais deve ser fornecido pelo organismo da mãe. Esta alimentação é indispensável à sobrevivência, mas ela não “faz” a criança; da mesma forma nem a nave espacial mais aperfeiçoada pode produzir um astronauta. Esta comparação ainda é mais significativa quando o feto se mexe. Graças a uma aparelhagem ultra-sônica muito requintada, o professor Ian Donald, da Inglaterra, conseguiu produzir no ano passado um filme que mostra a mais jovem “estrela” do mundo, ou seja, um bebê de onze semanas a dançar no útero materno. O bebê, pode-se dizer, brinca no trampolim! Do­bra os joelhos, apoia-se sobre a parede, levanta-se e recai. Visto que o seu corpo tem a densidade do fluido aminiótico, ele não sente a gravidade e dan­ça muito lentamente, com uma graça e uma elegância totalmente impossí­veis em algum outro lugar da terra. Somente os astronautas, em suas condi­ções de não gravidade, conseguem tal suavidade de movimentos. A propósito notamos que, quando se tratava da primeira caminhada no espaço, os técni­cos tiveram que escolher o lugar onde desembocariam os tubos portadores dos fluidos vitais. Escolheram então finalmente a fivela do cinturão do esca­fandro, reinventando assim o cordão umbilical.

Quando tive a honra de dissertar perante o Senado, tomei a liberdade de evocar o conto de fada do homem menorzinho do que o dedo mindinho.

Com dois meses de idade, o ser humano tem menos de um polegar de comprimento, desde o ápice da cabeça até a ponta do traseiro. Ele estaria muito à vontade numa casca de nozes, mas tudo já se encontra nele: as mãos, os pés; a cabeça, os órgãos; o cérebro, tudo está no seu lugar certo. O coração já bate há um mês. Olhando de mais perto, veríamos as dobras das suas palmas de mão e uma quiromante leria as mãos dessa minúscula pes­soa. Com uma boa lente de aumento, descobriríamos as marcas digitais. Tu­do estaria aí para se fazer a carteira de identidade civil desse indivíduo.

Com a extrema sofisticação da nossa tecnologia, podemos vislumbrar a vida privada dessa criaturinha. Aparelhos especiais gravam a música mais primitiva: um martelar surdo, profundo, regular, de 60/70 batidas por minu­to /o coração da mãe) e uma cadência rápida, aguda, de 150/170 batidas por minuto (o coração do feto) se sobrepõem, imitando os compassos de orques­tra e realizando os ritmos básicos de toda música primitiva, sem dúvida, por­que é a primeira que o ouvido humano consegue ouvir.

Assim observamos o que o feto sente, ouvimos o que ele ouve, prova­mos o que ele saboreia e vimo-lo realmente dançar, cheio de graça e de ju­ventude. A ciência transformou o conto de fada do Pequeno Polegar numa história verídica, história que cada um de nós viveu no seio de sua mãe.

E, para que melhor percebais a exatidão das nossas observações, acres­centamos: Se, logo depois da concepção, vários dias antes da implantação, uma única célula fosse retirada desse indivíduo semelhante a uma amora minúscula, poderíamos cultivar essa célula e examinar os seus cromossomos. Se um estudante, observando-a ao microscópio, não fosse capaz de reconhe­cer o número, a forma e o aspecto das fitas de seus cromossomos, se ele não soubesse dizer com certeza se essa célula provém de um símio ou de um ser humano, seria reprovado no exame.

Aceitar o fato de que, após a fecundação, um novo indivíduo come­çou a existir, já não é questão de gosto ou de opinião. A natureza humana do ser humano, desde a concepção até a velhice, não é uma hipótese metafísi­ca, mas sim uma evidência experimental.”

Até aqui o Prof. Jérôme Lejeune

As suas considerações não deixam dúvida sobre o fato de que, quando se extrai do seio materno um feto, é um verdadeiro ser humano que vem assim extraído e… quiçá condenado à mor­te!